quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

ENCANTAMENTO E ENERGIA NA CIDADE: texto publicado no Caderno SEU 2012



Encantamento e energia na cidade




     Interesse pelo outro – provocação para uma ação, uma tomada de posição. Buscava fazer uma performance onde, diretamente, incitaria o público a participar. Desejava uma performance realizada coletivamente em pleno centro de Porto Alegre. Aconteceu às 11hs de uma segunda-feira, quente e com garoa.
O projeto enviado para o SEU: “no espaço, devem estar colocados em círculo, no chão, 100 sapos de cerâmica. A performer  pega um sapo e o beija longa e apaixonadamente.  Quando verifica que ele  não se transforma em príncipe, o quebra jogando no chão. Pega outro sapo e repete a ação. Oferece  os sapos para mulheres que estejam passando ou assistindo. A ação continua até que não sobre mais nenhum sapo. O ritmo da ação da performer é normal, nem lento nem rápido, sem alterar-se.  Quando não houver mais sapos, a performer deverá  ir embora calmamente,  recompondo a roupa”.
A narrativa da performance: com uma roupa cor-de-rosa, modelo sóbrio, cabelo preso e maquiagem discreta, arranjei sapos de cerâmica no chão. Pessoas perguntavam: “quanto custa o sapo?” Não estão à venda – a informação já fez algumas pararem, curiosas. Peguei o primeiro sapo, estendi os braços e o mostrei lentamente para as pessoas que começaram a se aglomerar ao redor. Depois o beijei, lambi, tentei seduzi-lo esfregando em meu corpo. Olhei novamente para o sapo e constatei que teimosamente não se transformara em príncipe. Com os mesmos gestos lentos, o joguei com força no chão. Pedaços de cerâmica verde voaram sobressaltando a todos. Mais gente parava ao redor de mim e da centena de sapos. Repeti a ação, mas depois dos beijos, busquei com o olhar alguém que não desviasse os olhos. Caminhei até ela ou ele e lhe ofereci o sapo. “O que é para fazer?” Sempre silenciosamente, encolhia os ombros e saia de sua frente deixando um espaço aberto para sua ação/decisão. Alguns quebraram os sapos, outros o conservaram. A aglomeração aumentava. Algumas pessoas pediam os sapos, decidi em silêncio que estas não ganhariam (estratégia de controle mínimo para uma situação que crescia e cuja energia se adensava).
À medida que os sapos diminuíam, o círculo humano se fechava ao meu redor. Meu corpo cansado, braços tremendo, um esforço para manter e sustentar tanta energia. Não entendia as falas, mas percebia que a concentração deles ecoava a minha. Uma hora e meia após ter iniciado a performance (vagamente identificava algumas pessoas que estavam ali desde o início), sobravam dois sapos, uma mulher exausta e uma multidão que me cercava tão de perto que podia tocar seus corpos. Peguei o último sapo e, depois de beijá-lo, rompi o ritmo repetitivo da ação: não o quebrei nem ofereci a ninguém, calmamente o deixei no chão. Avançaram sobre o sapo abrindo uma brecha no círculo humano. Escapei por ali caminhando normalmente. Outra surpresa: uma parte das pessoas saiu atrás de mim gritando e pedindo respostas. Pensei que iriam dispersar. Me enganei: depois de ser seguida pela rua e no Mercado Público, parei e olhei os perseguidores. Choveram perguntas: “tu és bruxa?” -  “porque tu faz isto?” – “porque não pede nada?” Aturdida e sem querer dar respostas diretas, lhes contei a versão da Princesa e o Sapo, dos Irmãos Grimm. Nela, a princesa cansada e enojada joga o sapo contra a parede. É o choque que quebra o feitiço. Via como me olhavam concentrados (o que está acontecendo? a performance não era para ter acabado?). Quando terminei, fui abraçada, beijada e recebi agradecimentos. Com a mesma espontaneidade com que saíram atrás de mim, eles partiram me deixando perplexa. Como estou até hoje.
claudia paim

Meu obrigada e amor para Camila Mello, Leandro Machado, Maciel Goelzer, Manuela Eichner e Ulises Ferretti.
Fotografias: Camila Mello

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