Encantamento e energia na cidade
Interesse pelo
outro – provocação para uma ação, uma tomada de posição. Buscava fazer uma performance
onde, diretamente, incitaria o público a participar. Desejava uma performance
realizada coletivamente em pleno centro de Porto Alegre. Aconteceu às 11hs de uma
segunda-feira, quente e com garoa.
O projeto enviado
para o SEU: “no espaço, devem estar colocados em círculo, no chão, 100
sapos de cerâmica. A performer pega um
sapo e o beija longa e apaixonadamente.
Quando verifica que ele não se
transforma em príncipe, o quebra jogando no chão. Pega outro sapo e repete a
ação. Oferece os sapos para mulheres que
estejam passando ou assistindo. A ação continua até que não sobre mais nenhum
sapo. O ritmo da ação da performer é normal, nem lento nem rápido, sem
alterar-se. Quando não houver mais
sapos, a performer deverá ir embora
calmamente, recompondo a roupa”.
A narrativa da performance:
com uma roupa cor-de-rosa, modelo sóbrio, cabelo preso e maquiagem discreta,
arranjei sapos de cerâmica no chão. Pessoas perguntavam: “quanto custa o sapo?”
Não estão à venda – a informação já fez algumas pararem, curiosas. Peguei o
primeiro sapo, estendi os braços e o mostrei lentamente para as pessoas que
começaram a se aglomerar ao redor. Depois o beijei, lambi, tentei seduzi-lo
esfregando em meu corpo. Olhei novamente para o sapo e constatei que
teimosamente não se transformara em príncipe. Com os mesmos gestos lentos, o
joguei com força no chão. Pedaços de cerâmica verde voaram sobressaltando a
todos. Mais gente parava ao redor de mim e da centena de sapos. Repeti a ação,
mas depois dos beijos, busquei com o olhar alguém que não desviasse os olhos. Caminhei
até ela ou ele e lhe ofereci o sapo. “O que é para fazer?” Sempre
silenciosamente, encolhia os ombros e saia de sua frente deixando um espaço
aberto para sua ação/decisão. Alguns quebraram os sapos, outros o conservaram.
A aglomeração aumentava. Algumas pessoas pediam os sapos, decidi em silêncio
que estas não ganhariam (estratégia de controle mínimo para uma situação que
crescia e cuja energia se adensava).
À medida que os sapos diminuíam, o círculo humano se fechava
ao meu redor. Meu corpo cansado, braços tremendo, um esforço para manter e
sustentar tanta energia. Não entendia as falas, mas percebia que a concentração
deles ecoava a minha. Uma hora e meia após ter iniciado a performance
(vagamente identificava algumas pessoas que estavam ali desde o início),
sobravam dois sapos, uma mulher exausta e uma multidão que me cercava tão de
perto que podia tocar seus corpos. Peguei o último sapo e, depois de beijá-lo,
rompi o ritmo repetitivo da ação: não o quebrei nem ofereci a ninguém,
calmamente o deixei no chão. Avançaram sobre o sapo abrindo uma brecha no
círculo humano. Escapei por ali caminhando normalmente. Outra surpresa: uma
parte das pessoas saiu atrás de mim gritando e pedindo respostas. Pensei que iriam
dispersar. Me enganei: depois de ser seguida pela rua e no Mercado Público, parei
e olhei os perseguidores. Choveram perguntas: “tu és bruxa?” - “porque tu faz isto?” – “porque não pede
nada?” Aturdida e sem querer dar respostas diretas, lhes contei a versão da
Princesa e o Sapo, dos Irmãos Grimm. Nela, a princesa cansada e enojada joga o
sapo contra a parede. É o choque que quebra o feitiço. Via como me olhavam
concentrados (o que está acontecendo? a performance não era para ter acabado?).
Quando terminei, fui abraçada, beijada e recebi agradecimentos. Com a mesma
espontaneidade com que saíram atrás de mim, eles partiram me deixando perplexa.
Como estou até hoje.
claudia paim
Meu obrigada e amor para Camila Mello, Leandro Machado,
Maciel Goelzer, Manuela Eichner e Ulises Ferretti.
Fotografias: Camila Mello
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